No dia 12 de fevereiro, quinta-feira, o Parlamento português foi palco de um intenso debate marcado por trocas de acusações e insultos entre deputados do partido CHEGA e do Partido Socialista (PS), o que rapidamente gerou uma enorme polémica a nível nacional.
No entanto, o aspeto mais preocupante deste episódio triste não se limitou unicamente à confrontação entre os parlamentares, mas sim, à forma como as informações foram disseminadas, tanto nas redes sociais como, de forma mais alarmante, nos meios de comunicação social. Estes últimos, cuja função primordial deveria assentar na objetividade, na veracidade dos factos e na defesa da integridade jornalística, acabaram por veicular relatos imprecisos e, em certos casos, manifestamente falsos.
Embora não se possa determinar de forma categórica a intencionalidade por detrás da propagação destas fake news realizada pelos órgãos de comunicação social, o impacto foi inequívoco: a deterioração da imagem pública do partido CHEGA.
Diante da gravidade da situação, impõe-se assim, uma análise crítica e imparcial dos factos, de modo a compreender a dimensão do ocorrido e as suas implicações tanto para a dignidade do debate parlamentar como para a credibilidade do jornalismo nacional.
Lamentamos profundamente que a cobertura mediática deste episódio tenha revelado, mais uma vez, falhas significativas no cumprimento dos princípios éticos da comunicação social, o que permitiu a difusão de informações distorcidas que induzem o público em erro. Sabendo nós, que o português comum não tem uma atividade regular na política, este fenómeno assume particular relevância dado que infelizmente, muitos leitores vão acreditar nas manchetes e nas notícias que leram que eram falsas.
Passo a Passo do que realmente aconteceu
1º - No âmbito do debate parlamentar sobre necessidades educativas especiais, a deputada Diva Ribeiro, representante da bancada do CHEGA, proferiu a seguinte afirmação: ‘É curioso também que a Sra. Deputada Ana Antunes só consiga intervir em assuntos que envolvem, infelizmente, a deficiência.
A afirmação em questão, para além de não corresponder à realidade factual – dado que a deputada Ana Antunes exerce funções como coordenadora na Comissão de Assuntos Europeus e participa ativamente noutras iniciativas parlamentares, conforme comprovado por diversas fontes, incluindo reportagens de jornalismo independente e verificações do Polígrafo –, revela-se também profundamente deselegante no contexto do debate parlamentar.
Além de não acrescentar valor substantivo à discussão sobre necessidades educativas especiais, a declaração incorre numa abordagem redutora do papel de um parlamentar, ignorando o princípio fundamental de que cada deputado tem o direito de intervir nos temas que considerar pertinentes.
Além disso, é natural que um representante eleito demonstre maior envolvimento em matérias que lhe sejam particularmente sensíveis, o que em nada compromete a pluralidade do debate democrático.
Se o incidente tivesse cessado neste ponto, não haveria maior controvérsia, uma vez que a comunicação social teria relatado os factos com rigor, e a intervenção de Diva Ribeiro seria apenas um exemplo de menor elegância discursiva, passível de condenação moral, como efetivamente ocorreu. Neste contexto, a questão resumir-se-ia a uma formulação infeliz, cuja resolução poderia ter passado por um pedido de desculpas à deputada Ana Antunes.
O problema desta polémica toda, surge depois desta afirmação de Diva Ribeiro.
2º- Após a declaração de Diva Ribeiro, o ambiente no Parlamento tornou-se particularmente tenso, tendo provocando defesas de honra e terminado com deputados dos vários partidos (PSD,PS,BE e Livre) a acusarem o CHEGA de ter insultado a deputada do PS.
Já com os microfones desligados, houve uma troca de palavras acalorada entre as bancadas do CHEGA e do PS. No entanto, os insultos proferidos durante este momento de confronto não eram audíveis para quem acompanhava a sessão remotamente, uma vez que os microfones permaneceram desligados.
Neste contexto de desconhecimento generalizado por parte do público que assistia à sessão, a comunicação social passou a divulgar artigos e notícias que, repetidamente, foram replicados como se de simples cópias se tratassem. Essas reportagens alegavam que, após o discurso de Diva Ribeiro, a bancada do CHEGA teria insultado a deputada Ana Antunes com expressões como 'aberração', 'não sei quê da esquina', 'pareces uma morta' e 'drogada'.
A comunicação social (Expresso, Sic Notícias, Público, CNN, entre outros) não hesitaram em produzir uma série de artigos e reportagens que disseminaram esta FALSA INFORMAÇÃO. A veracidade dos factos foi negligenciada, e, como resultado, até hoje, muitos cidadãos continuam a acreditar que os insultos atribuídos por parte do CHEGA ocorreram à deputada Ana Antunes, como se pode verificar pelos comentários nas redes sociais desses mesmos meios de comunicação. (Público)
Então, o que realmente aconteceu?
Antes de mais, é crucial salientar que a análise objetiva do que realmente aconteceu deve ser fundamentada no "borrão" disponibilizado.
No referido "borrão" (conforme ilustrado na imagem abaixo, referente ao Borrão 88, Primeira Parte), que é o rascunho preliminar antecedente à publicação oficial no Diário da Assembleia da República dos resumos das discussões parlamentares, constam algumas das expressões proferidas por vários deputados, embora algumas delas ainda estejam ausentes.
Embora estas palavras tenham sido tornadas públicas, e fazendo jus da informação que se sabe até à data, a verdade é que o momento foi marcado por intensos apartes, o que pode ter levado à omissão ou distorção de certas falas, complicando a obtenção de uma versão mais fiel dos acontecimentos.
Após a intervenção de Diva Ribeiro, os escrivães da Assembleia da República reportaram as reações, com aplausos e expressões de aprovação, como "muito bem", vindas da bancada do CHEGA. Em contraste, do lado oposto, foram anotados protestos provenientes do PS, BE, PCP e Livre, onde expressaram o seu descontentamento face à afirmação proferida por Diva Ribeiro, gritando "Tenham Vergonha".
Entre as diversas manifestações de protesto, a deputada Isabel Moreira destacou-se como uma das vozes que contestaram esta intervenção do CHEGA.
De acordo com o que foi registado pelos escrivães da Assembleia da República no "borrão", o seguimento dos acontecimentos é o seguinte, após uma intervenção do Presidente Rodrigo Saraiva:
[Isabel Moreira protesta]
Deputado Filipe Melo (CH): — Vens para aqui pintar as unhas! Mete mais tabaco nisso!
(Embora a afirmação de Filipe Melo possa ser considerada injuriosa, trata-se de um facto objetivamente verificável, que aconteceu em 2018 (Notícia))
O Presidente (Rodrigo Saraiva):— Portanto, devemos ter cuidado com as expressões que usamos e com aquilo que indicamos.
[Continuação de protestos do PS e do L e contraprotestos do CH]
Neste sentido, a deputada Ana Sofia Antunes pediu à Mesa para intervir para uma defesa da honra e as bancadas não se acalmavam entre protestos, aplausos e pedidos para que o deputado Filipe Melo, do Chega, se calasse.
A Deputada Ana Sofia Antunes (PS): — Defesa da honra da bancada.
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Muito bem.
O Deputado Filipe Melo (CH): — Pessoal ou da bancada?!
[Novos protestos da deputada Isabel Moreira]
O Deputado Filipe Melo (CH): — Ainda vais comprar o verniz…
[Vozes do PS e do L: — Está calado!]
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Tem então a palavra para a defesa da honra.
A Deputada Marina Gonçalves (PS): — Está calado, respeita os outros!
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Tem até 2 minutos e eu pedia à Câmara que desse condições para que os trabalhos decorressem e para que a Sr.ª Deputada possa fazer.
O Deputado Filipe Melo (CH): — Defesa da honra pessoal ou da bancada?
A Deputada Marina Gonçalves (PS): — Respeita os outros!
[Protestos do Deputado do CH Filipe Melo]
Vozes do PS: — Está calado!
A intervenção seguinte coube a Marina Gonçalves, uma vez que a defesa da honra da bancada deve ser realizada pela direção. Ana Sofia Antunes apenas poderia fazê-lo, em nome pessoal, no final dos trabalhos. No entanto, o PS optou por responder de imediato, com constantes apartes por parte dos deputados do CHEGA, nomeadamente Pedro Pinto. A intervenção de Marina Gonçalves foi aplaudida pelas bancadas do PS, BE, PCP, Livre e por alguns deputados do PSD, enquanto, do lado do CHEGA, registavam-se novos protestos.
Em seguida, Rita Matias tomou a palavra para responder à defesa da honra, um erro posteriormente reconhecido pela mesa, uma vez que deveria ter sido a deputada Diva Ribeiro a fazê-lo — facto que gerou desagrado por parte do PS.
[Protestos do PS]
O Deputado Filipe Melo (CH): — Fomos nós?
A Deputada Rita Matias (CH): — Querem ouvir outra vez?
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Portanto, fica aqui o mea culpa da Mesa nesta falha.
A Deputada Isabel Alves Moreira (PS): — E mantêm o que disseram!
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Passando à frente e continuando na apresentação de iniciativas legislativa.
O Deputado Filipe Melo (CH): — Vai pintar as unhas!
A Deputada Isabel Alves Moreira (PS): — Vai pagar as pensões que deves aos teus filhos!
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — … assim que a Câmara der condições.
O Deputado Filipe Melo (CH): — Não eras tu que estava ligeiramente drogada?
(Embora a afirmação de Filipe Melo possa ser considerada injuriosa, trata-se novamente de um facto objetivamente verificável, que deve no entanto ser contextualizado. Em 2012, a Isabel Moreira afirmou na AR "Senhor presidente, desculpe, estou um bocado drogada. Drogas lícitas”. No entanto, à agência Lusa, Isabel Moreira explicou que teve uma quebra de tensão durante o plenário, dado que tinha sido sujeita a uma intervenção cirúrgica dolorosa, nada tendo a haver com drogas ilegais (Notícia))
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Srs. Deputados…
O Deputado Filipe Melo (CH): — És uma aberração, ganha vergonha!
[Protestos do PS e contraprotestos do CH]
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Srs. Deputados, antes que eu comece a dizer o nome um a um, vamos lá dar condições. Podemos continuar os trabalhos?
A Deputada Isabel Alves Moreira (PS): — Paga as pensões aos teus filhos!
(Para além de poder ser considerada injuriosa, a afirmação da deputada Isabel Moreira configura a disseminação de uma fake news. Filipe Melo teve o salário penhorado em 2022 devido ao não pagamento de uma dívida ao Colégio João Paulo II, facto que, contudo, não está relacionado com qualquer incumprimento no pagamento de pensões de alimentos, uma vez que não possui um regime de guarda partilhada.)
O Deputado Filipe Melo (CH): — Mete mais tabaquinho nisso!
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Antes da apresentação da iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do Livre, já temos alguns pedidos de interpelação à Mesa, e, portanto, a Mesa gostaria de dar a palavra a quem está a fazer uma interpelação à Mesa.
[Protestos da Deputada do PS Isabel Alves Moreira]
Deputado Filipe Melo (CH): — Tens de pôr mais tabaco!
O Presidente (Rodrigo Saraiva): — Sr. Deputado Filipe Melo, Sr.ª Deputada Isabel Moreira, peço que nos deem condições para que continuemos os trabalhos. Pode ser? Muito obrigado.
A Deputada Joana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, uma interpelação à Mesa sobre a condução dos trabalhos, não sobre aquilo que foi dito em on, e que toda a gente pôde ouvir, relativamente à Deputada Ana Sofia Antunes, mas sobre aquilo que foi dito em off, dizendo que desta bancada se ouviu bem e que espero que fiquem registados o bullying relativamente a uma pessoa com deficiência.
[Aplausos do BE, do PS, do PCP, do L e do PAN]
O Deputado Filipe Melo (CH): — Mas qual bullying? Estás parva?
A Deputada Joana Mortágua (BE): — e as ofensas que foram feitas por parte da bancada do Chega.
O Deputado Jorge Pinto (L): — És uma vergonha!
O Deputado Filipe Melo (CH): — Vergonha és tu, mete mais tabaco!
A Deputada Joana Mortágua (BE): — E espero que fique registado que, no momento em que estamos a discutir projetos sobre apoio a pessoas com deficiência, a única bandeira que aquela bancada tem a erguer é a bandeira da vergonha.
[Continuação de aplausos do BE, do PS, do PCP, do L e do PAN]
Com o acesso ao "borrão", já divulgado por diversos órgãos de comunicação social, seja de forma integral ou parcial através de diferentes artigos e reportagens, conclui-se que, em nenhum momento, as injúrias proferidas foram dirigidas à deputada Ana Antunes, mas sim a Isabel Moreira.
Na ótica da página é de lamentar que o dinheiro que é retirado dos contribuintes de forma autoritária para pagar o ordenado a estes deputados, seja para este tipo de circo mediático. Num contexto de múltiplos desafios nacionais, o que se retirou da sessão parlamentar em questão foi, essencialmente, uma troca de acusações infundadas de ambas as partes, cuja resolução poderia ter sido alcançada através de um pedido de desculpas mútuo, especialmente por parte dos deputados Isabel Moreira e Filipe Melo, que estiveram no centro da controvérsia.
Um pedido de desculpas por parte da deputada Diva Ribeiro, em relação à falsa informação divulgada, seria uma atitude apropriada e digna. Adicionalmente, seria importante que a deputada esclarecesse com mais detalhe o significado da sua afirmação, para entender se a sua frase "mal colocada" vai de encontro com a explicação fornecida pela deputada Rita Matias, que seguiu a sua intervenção.
Na sequência destes acontecimentos, o Partido Socialista, em conjunto com os partidos da esquerda, apelou a uma reflexão sobre as regras de conduta no Parlamento e admitiu a possibilidade de implementar sanções para quem viole os deveres de urbanidade, ao mesmo tempo que dirigia críticas ao CHEGA, classificando-o como um grupo de delinquentes.
Contudo, importa sublinhar que episódios de insultos e injúrias no Parlamento não são um fenómeno recente. Contrariamente à narrativa de que haveria um período anterior e posterior ao surgimento do CHEGA, há múltiplos precedentes de incidentes similares. O próximo artigo a ser publicado apresentará uma demonstração factual, recorrendo a vídeos e reportagens que comprovam a existência de episódios análogos em momentos anteriores da história parlamentar.