Olhar para Salazar e fortalecer a Democracia: Reflexão de Consciência Nacional
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| Artigo elaborado por Miguel Bento Alves |
A análise serena, mas firme,
destes dois momentos não serve para reabilitar o autoritarismo nem para
glorificar o passado. Serve para compreender por que razão tantos portugueses,
ao longo da sua história, preferiram a ordem imposta ao caos libertino, e por
que motivo a liberdade, quando não se ancora na responsabilidade e no
enraizamento, degenera em decadência e autodestruição.
A Primeira República Portuguesa
foi, no meu entender, uma experiência política desastrosa, marcada por um
radicalismo ideológico desconectado da realidade nacional. Os republicanos, em
especial os seus líderes mais dogmáticos, não quiseram apenas substituir um
regime monárquico constitucional por outro mais moderno. Quiseram apagar
séculos de tradição, cultura, fé e estrutura social para erigir no seu lugar
uma república de laboratório, inspirada em modelos externos, assente em
pressupostos ateus, centralizadores, hostis à religião e surdos à vontade do
povo. Quiseram "educar" o país à força, com um desdém elitista pelos
valores populares, que consideravam supersticiosos, atrasados ou conservadores
demais para caberem na sua utopia republicana.
E neste contexto surge a figura
que, para mim, encarna o pior da arrogância política, o dogmatismo ideológico e
o desprezo pela alma do povo português: Afonso Costa. Este homem, que muitos
ainda hoje tentam pintar como visionário ou herói da liberdade, representa,
para mim, tudo aquilo que está errado numa política feita a partir de
abstrações. A sua governação foi marcada por uma obsessão anticlerical doentia,
um fanatismo laico agressivo, uma ânsia de erradicar a presença da Igreja na
vida pública como se esta fosse um cancro e não uma das colunas estruturais da
nação. Com ele, o Estado deixou de ser laico para se tornar abertamente
antirreligioso. Não quis separar-se da Igreja - quis destruí-la. E ao fazê-lo,
criou um fosso entre a república e o povo, que nunca foi verdadeiramente
colmatado. Afonso Costa, ao impor as suas ideias com mão de ferro e espírito
inquisitorial, alienou a maioria silenciosa dos portugueses, que não viam na
república uma representação da sua identidade, mas sim um regime hostil, artificial,
autoritário na prática embora democrático no discurso.
A instabilidade política, a
violência partidária, os sucessivos governos e a constante agitação social que
marcaram aqueles anos provam que a república falhou porque se construiu contra
o povo, e não com ele. A democracia foi usada como pretexto para instaurar uma
elite ideológica que se sentia iluminada e moralmente superior - uma elite que
se julgava no direito de moldar o país à sua imagem, mesmo que para isso
tivesse de destruir as instituições que davam coesão à sociedade.
Foi neste quadro de
instabilidade, de desconfiança, de miséria e de desilusão que surgiu a figura
de Salazar. E é importante sublinhar que Salazar não surgiu por acaso, nem foi
imposto à força - ele apareceu como resposta. Foi visto como um remédio, um
antídoto, um restaurador de ordem. O seu apelo à disciplina, à moral, à
autoridade e à estabilidade financeira tocou fundo num povo cansado de
discursos vazios, de lutas entre fações, de governos que não governavam e de
uma liberdade que apenas servia para alimentar o caos. Salazar, com todos os
defeitos e limitações do seu projeto político, ofereceu paz. Ofereceu ordem. E
essa promessa foi, durante muito tempo, mais valiosa para muitos do que as
promessas democráticas, que haviam falhado rotundamente. Salazar governou com
mão de ferro, sim.
Censurou, perseguiu opositores, reprimiu a
liberdade política. Não nego isso. Mas não aceito que se faça uma análise da
sua figura sem considerar o que o precedeu. A Primeira República criou o
ambiente propício à sua ascensão. Foi o caos republicano, alimentado por
figuras como Afonso Costa, que preparou o terreno para que o povo aceitasse, e
até desejasse, um regime autoritário.
Salazar foi o reflexo inverso da
república: onde ela era barulhenta e instável, ele foi silencioso e
disciplinador; onde ela era ideológica, ele foi pragmático; onde ela quis
romper com tudo, ele quis restaurar. E, goste-se ou não, houve muitos portugueses
que, mesmo sem voz política, sentiram algum alívio com esta mudança. Ora, tudo
isto me leva à reflexão central deste artigo: se queremos hoje fortalecer a
democracia, não podemos fazê-lo ignorando estas lições históricas.
Temos de entender que o povo
português não é movido por ideologias, mas por valores concretos - estabilidade,
identidade, fé, ordem. Uma democracia que despreze esses valores está condenada
ao mesmo destino da Primeira República. A democracia só pode florescer quando
respeita as raízes do país em que se inscreve. E, por isso, olhar para Salazar
com atenção não é defender o autoritarismo - é compreender o erro da democracia
que o antecedeu. É perceber o que não se deve repetir.
Para mim, Afonso Costa não é um
símbolo de progresso, mas de arrogância ideológica. Foi um revolucionário cego
pela sua fé secular, que preferiu destruir a dialogar, que preferiu impor, do
que convencer. E ao fazê-lo, destruiu as condições mínimas para uma democracia
saudável e sólida. A sua república fracassou porque nasceu do desdém pela
tradição, da ânsia de reeducar o povo em vez de o servir. E o resultado foi o
que se sabe: repressão, ditadura e décadas de atraso. Portanto, fortalecer a
democracia hoje é, em parte, ter a coragem de dizer que Afonso Costa falhou.
Que a Primeira República falhou. Que a democracia não se impõe contra o país
real, mas constrói-se com ele.
E que Salazar, apesar de tudo o
que simboliza, não foi um acidente, mas um sintoma - um reflexo da profunda
falência da república anterior. A verdadeira democracia será aquela que souber
olhar para esse passado sem medo, sem dogmas, sem venerações cegas. Uma
democracia adulta, que reconhece os seus erros, corrige os seus excessos e
constrói o futuro com os pés bem assentes na terra.
Só digo que se deve olhar para Salazar e para o contexto que
o fez emergir para perceber como o autoritarismo pode surgir se não tivermos
cuidado e a primeira república trouxe a desordem e uma suposta “democracia”,
mas só trouxe a anarquia o que fez Salazar, figura austera e autoritária, ir
para o poder progressivamente trazendo ordem sacrificando liberdades
individuais e trazendo o autoritarismo.
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