Olhar para Salazar e fortalecer a Democracia: Reflexão de Consciência Nacional

Olhar para Salazar e fortalecer a Democracia: Reflexão de Consciência Nacional

Artigo elaborado por Miguel Bento Alves

A democracia portuguesa não se pode vergar perante o luxo da amnésia histórica. Para que se torne mais robusta, mais consciente de si mesma, mais enraizada no sentimento do povo e mais resistente a modas ideológicas e ilusões progressistas, ela precisa de confrontar os seus próprios fantasmas - e entre eles, dois se destacam: o fracasso absoluto da Primeira República e o advento de António de Oliveira Salazar.

A análise serena, mas firme, destes dois momentos não serve para reabilitar o autoritarismo nem para glorificar o passado. Serve para compreender por que razão tantos portugueses, ao longo da sua história, preferiram a ordem imposta ao caos libertino, e por que motivo a liberdade, quando não se ancora na responsabilidade e no enraizamento, degenera em decadência e autodestruição.

A Primeira República Portuguesa foi, no meu entender, uma experiência política desastrosa, marcada por um radicalismo ideológico desconectado da realidade nacional. Os republicanos, em especial os seus líderes mais dogmáticos, não quiseram apenas substituir um regime monárquico constitucional por outro mais moderno. Quiseram apagar séculos de tradição, cultura, fé e estrutura social para erigir no seu lugar uma república de laboratório, inspirada em modelos externos, assente em pressupostos ateus, centralizadores, hostis à religião e surdos à vontade do povo. Quiseram "educar" o país à força, com um desdém elitista pelos valores populares, que consideravam supersticiosos, atrasados ou conservadores demais para caberem na sua utopia republicana.

E neste contexto surge a figura que, para mim, encarna o pior da arrogância política, o dogmatismo ideológico e o desprezo pela alma do povo português: Afonso Costa. Este homem, que muitos ainda hoje tentam pintar como visionário ou herói da liberdade, representa, para mim, tudo aquilo que está errado numa política feita a partir de abstrações. A sua governação foi marcada por uma obsessão anticlerical doentia, um fanatismo laico agressivo, uma ânsia de erradicar a presença da Igreja na vida pública como se esta fosse um cancro e não uma das colunas estruturais da nação. Com ele, o Estado deixou de ser laico para se tornar abertamente antirreligioso. Não quis separar-se da Igreja - quis destruí-la. E ao fazê-lo, criou um fosso entre a república e o povo, que nunca foi verdadeiramente colmatado. Afonso Costa, ao impor as suas ideias com mão de ferro e espírito inquisitorial, alienou a maioria silenciosa dos portugueses, que não viam na república uma representação da sua identidade, mas sim um regime hostil, artificial, autoritário na prática embora democrático no discurso.

A instabilidade política, a violência partidária, os sucessivos governos e a constante agitação social que marcaram aqueles anos provam que a república falhou porque se construiu contra o povo, e não com ele. A democracia foi usada como pretexto para instaurar uma elite ideológica que se sentia iluminada e moralmente superior - uma elite que se julgava no direito de moldar o país à sua imagem, mesmo que para isso tivesse de destruir as instituições que davam coesão à sociedade.

Foi neste quadro de instabilidade, de desconfiança, de miséria e de desilusão que surgiu a figura de Salazar. E é importante sublinhar que Salazar não surgiu por acaso, nem foi imposto à força - ele apareceu como resposta. Foi visto como um remédio, um antídoto, um restaurador de ordem. O seu apelo à disciplina, à moral, à autoridade e à estabilidade financeira tocou fundo num povo cansado de discursos vazios, de lutas entre fações, de governos que não governavam e de uma liberdade que apenas servia para alimentar o caos. Salazar, com todos os defeitos e limitações do seu projeto político, ofereceu paz. Ofereceu ordem. E essa promessa foi, durante muito tempo, mais valiosa para muitos do que as promessas democráticas, que haviam falhado rotundamente. Salazar governou com mão de ferro, sim.

 Censurou, perseguiu opositores, reprimiu a liberdade política. Não nego isso. Mas não aceito que se faça uma análise da sua figura sem considerar o que o precedeu. A Primeira República criou o ambiente propício à sua ascensão. Foi o caos republicano, alimentado por figuras como Afonso Costa, que preparou o terreno para que o povo aceitasse, e até desejasse, um regime autoritário.

Salazar foi o reflexo inverso da república: onde ela era barulhenta e instável, ele foi silencioso e disciplinador; onde ela era ideológica, ele foi pragmático; onde ela quis romper com tudo, ele quis restaurar. E, goste-se ou não, houve muitos portugueses que, mesmo sem voz política, sentiram algum alívio com esta mudança. Ora, tudo isto me leva à reflexão central deste artigo: se queremos hoje fortalecer a democracia, não podemos fazê-lo ignorando estas lições históricas.

Temos de entender que o povo português não é movido por ideologias, mas por valores concretos - estabilidade, identidade, fé, ordem. Uma democracia que despreze esses valores está condenada ao mesmo destino da Primeira República. A democracia só pode florescer quando respeita as raízes do país em que se inscreve. E, por isso, olhar para Salazar com atenção não é defender o autoritarismo - é compreender o erro da democracia que o antecedeu. É perceber o que não se deve repetir.

Para mim, Afonso Costa não é um símbolo de progresso, mas de arrogância ideológica. Foi um revolucionário cego pela sua fé secular, que preferiu destruir a dialogar, que preferiu impor, do que convencer. E ao fazê-lo, destruiu as condições mínimas para uma democracia saudável e sólida. A sua república fracassou porque nasceu do desdém pela tradição, da ânsia de reeducar o povo em vez de o servir. E o resultado foi o que se sabe: repressão, ditadura e décadas de atraso. Portanto, fortalecer a democracia hoje é, em parte, ter a coragem de dizer que Afonso Costa falhou. Que a Primeira República falhou. Que a democracia não se impõe contra o país real, mas constrói-se com ele.

E que Salazar, apesar de tudo o que simboliza, não foi um acidente, mas um sintoma - um reflexo da profunda falência da república anterior. A verdadeira democracia será aquela que souber olhar para esse passado sem medo, sem dogmas, sem venerações cegas. Uma democracia adulta, que reconhece os seus erros, corrige os seus excessos e constrói o futuro com os pés bem assentes na terra.

Só digo que se deve olhar para Salazar e para o contexto que o fez emergir para perceber como o autoritarismo pode surgir se não tivermos cuidado e a primeira república trouxe a desordem e uma suposta “democracia”, mas só trouxe a anarquia o que fez Salazar, figura austera e autoritária, ir para o poder progressivamente trazendo ordem sacrificando liberdades individuais e trazendo o autoritarismo.

Politicamente Incensurável

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